Por Eduardo Morteo Bastos¹
O conceito de fadiga pode variar, devido a pluralidade de fatores causais. Um bom conceito e que adotamos na aviação é que a “Fadiga é uma condição caracterizada pelo aumento do desconforto devido a diminuição da capacidade de trabalho, redução da eficiência para cumprimento de tarefas, perda de força ou capacidade em responder aos estímulos e usualmente é acompanhada por uma sensação de cansaço e sonolência.”
Causas e Mitigação
Sabemos que a fadiga pode ser causada por fatores objetivos, ou seja, biologicamente todos os seres humanos sentirão. No dia-a-dia do tripulante, encontramos uma rotina de trabalho disruptiva que prejudica de forma importante os ritmos circadianos do indivíduo e a atividade laboral que oferece a todo momento um intenso estímulo mental que exige alta performance cognitiva, sendo essa inversamente proporcional ao estado de fadiga do profissional.
Outros fatores externos e subjetivos como pressões organizacionais, sociais (família, círculo de amigos), condição financeira e doenças fisiológicas e/ou do aparelho psíquico podem influenciar no seu estado de alerta. Programas assistenciais ao tripulante já disponíveis em diversas entidades de classe pelo mundo podem servir como uma ferramenta mitigadora dos fatores subjetivos supramencionados.
Quanto aos fatores objetivos, uma forma adequada de mitigação se dá através de sistemas de gerenciamento de risco da fadiga humana - SGRF previstos no anexo 6 da ICAO e na lei 13.475/17.
No Brasil, a Associação dos Aeronautas da Gol – ASAGOL firmou uma parceria técnica com a ABRAPAC – Associação Brasileira de Pilotos da Aviação Civil, ATL – Associação dos Tripulantes da LATAM e SNA – Sindicato Nacional dos Aeronautas, que culminou em um projeto científico chamado Fadigômetro®. Esse projeto busca apontar, através de base estatística, a fadiga humana com o objetivo de auxiliar a agência reguladora e empresas aéreas a determinarem perigos e a exposição ao risco do modal. A base estatística é obtida pelo envio espontâneo e anônimo de escalas de voo, que serão convertidas em um documento legível em um software que emprega um algoritmo bio-matemático amplamente aceito no mundo.
Cabe salientar que as próprias operadoras deverão desenvolver os seus próprios programas de gerenciamento da fadiga previstos no futuro RBAC 117.
Conhecendo os sintomas
Mesmo com a implantação do SGRF, existe uma responsabilidade compartilhada do empregador com o aeronauta na manutenção da sua condição de saúde.
Convivemos com diversos elementos estressores organizacionais (e.g. longos períodos de jornadas, alterações circadianas pelo cruzamento de fusos, jornadas noturnas ou alterações de escala de voo).
É esperado que todos os indivíduos fatigados apresentem os seguintes sintomas: sonolência, dificuldade em concentração, apatia, sentimento de isolamento, irritabilidade, aumento do tempo para resposta a estímulos, diminuição da capacidade cognitiva, diminuição da vigilância, problemas com memorização de informações e aumento de erros enquanto está cumprindo alguma tarefa, principalmente as que demandam maior estado de alerta e performance cognitiva.
O sono é a única ferramenta plena para recuperação da fadiga e ela pode ser prejudicada por uma má gestão do estilo de vida.
Recomendações para um estilo de vida saudável
NÃO FAÇA
Consumo de álcool ou cafeína antes de ir para a cama;
Comer pratos pesados momentos antes de ir dormir;
Ler, trabalhar e assistir TV na cama;
Se exercitar entre 2 e 3 horas antes de ir dormir;
Condicionar o sono ao uso de comprimidos (sleeping pills, melatonina, etc).
FAÇA
Criar conscientização sobre o uso e efeitos nocivos de medicamentos (inclusive os que não precisam de prescrição médica);
Consultar o seu médico se você acredita que algum problema possa estar prejudicando a função do seu sono;
Criar um ambiente que possibilite o sono de qualidade. O ajuste de temperatura, ruído e luminosidade são muito importantes para o sono reparador poder acontecer;
Exigir que os hotéis ofereçam o ambiente citado acima;
Dormir em média 8 horas e tirar cochilos de no máximo 30 minutos. Além desse tempo de cochilo, é possível que venhamos a sofrer os efeitos da inércia do sono;
Estabelecer uma rotina no ciclo vigília-sono;
Se não conseguir dormir, levante e faça atividades calmas e que induzam o sono (e.g. leitura, assistir TV com programação não violenta ou que apresente muitos estímulos, ouça músicas agradáveis, etc;
Durma o máximo possível antes dos voos e evite estresse.
Não obstante as recomendações, caso ainda assim o aeronauta não se sentir em condições de realizar o voo, o ideal é entrar em contato, o mais breve possível com o setor responsável da empresa aérea, para que as devidas ações possam ser tomadas, visando sempre a segurança do voo! Ninguém está imune a fadiga e as suas consequências podem ser desastrosas.
¹Eduardo Morteo Bastos é analista de safety da ASAGOL; piloto comercial formado em Ciências Aeronáutica, possui especialização em safety e está concluindo a sua formação em psicologia. Possui também cursos extracurriculares em gestão de segurança operacional e fatores humanos.
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