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Reconhecimento de Mau Funcionamento do Motor

Por Pedro Gomes


Os eventos de mau funcionamento de motor se tornaram extremamente raros na aviação comercial atual e, possivelmente, a maioria dos pilotos, em toda sua carreira, nunca irá se deparar com algum tipo de pane de motor.


Segundo os dados da Airbus, um motor atual falha, em média, uma vez a cada 30 anos de operação.


Entretanto, apesar de exaustivamente treinados em simulador, eventos de mau funcionamento de motor ainda são recorrentemente mal interpretados pelos pilotos. Existem alguns fatores técnicos que podem contribuir para este cenário – por exemplo, o deficiente conhecimento dos sistemas da aeronave; e a inexatidão dos simuladores de voo em reproduzir acelerações laterais (p. ex., devido a uma falha de motor), barulhos (p. ex., durante um surge/stall) e vibrações (p. ex., em casos de severe damage).


Além disso, alguns fatores relacionados ao comportamento humano contribuem para as falhas de gerenciamento. Por exemplo, os cenários repetitivos apresentados durante os treinamentos, apesar de criarem o condicionamento necessário para o gerenciamento de situações adversas, podem contribuir para a formação de um viés cognitivo conhecido como expectation bias.


Este viés ocorre quando o indivíduo percebe o cenário de acordo com as suas expectativas – e não como o cenário de fato se apresenta. Por exemplo, uma tripulação que logo após a decolagem sofre um bird strike em um dos motores, pode ser sugestionada a interpretar o evento como um engine severe damage devido ao barulho da colisão com a ave, apesar de os parâmetros do motor estarem dentro dos limites operacionais.

Outro fator comumente associado às respostas incorretas por parte dos pilotos é o startle effect. O startle é um reflexo automático e incontrolável, provocado pela exposição a um evento repentino que foge às expectativas do piloto. Este reflexo pode gerar respostas motoras rápidas e intensas, em detrimento à resposta mental mais lenta e à habilidade de processar o evento e tomar as decisões mais adequadas.


Um exemplo de resposta motora inadequada causada pelo startle effect é um piloto que observa o readout de EGT na cor vermelha logo após a decolagem. Em resposta ao “susto” provocado pelo parâmetro de motor excedendo os limites, o piloto arbitrariamente e instantaneamente reduz a potência de ambos os motores na tentativa de controlar o exceedance, contrariando o recomendado pelo fabricante da aeronave.

Identificando e gerenciando panes de motor


A resposta inadequada a um evento de motor pode tornar o cenário operacional mais complexo, degradando ainda mais o desempenho e as qualidades de pilotagem da aeronave. Abaixo, foram compiladas boas práticas e recomendações da indústria para lidar com estes eventos:


  • Mantenha o controle da aeronave: voar é SEMPRE a prioridade! Lembre-se que em eventos de pane de motor, as qualidades de pilotagem podem estar degradadas, principalmente devido à tração assimétrica.


  • Conheça a sua aeronave: esteja familiarizado com os componentes, parâmetros e indicações de motor da aeronave que você voa, além de todos os sistemas relacionados. Pode soar clichê, mas sempre revise os manuais FCOM, FCTM, QRH e AFM, quando aplicável. Isso irá ajudar a solidificar o conhecimento, o que comprovadamente auxilia a reduzir os efeitos negativos do startle effect.


  • Esteja familiarizado com os sintomas de mau funcionamento do motor: conhecer os sintomas ajuda a diagnosticar o tipo de pane enfrentada. É importante ter em mente que um motor em pane não irá, necessariamente, se comportar como no simulador: sintomas como EGT exceedances, flutuações de N1/N2/Fuel Flow, vibrações e barulhos podem se combinar.


  • Leia atentamente a seção Condition do QRH: dúvidas acerca da identificação da pane são quase sempre sanadas a partir da leitura atenta e completa do Condition do QRH. A leitura desleixada e informal já contribuiu para que tripulantes não percebessem a inaplicabilidade de um checklist para a condição que estavam enfrentando.


  • Evite a complacência: a casualidade e informalidade durante o gerenciamento de uma situação não-normal podem levar a falhas de interpretação da pane. Os padrões e procedimentos descritos nos manuais do fabricante não são teóricos: eles existem por um motivo e são a maneira mais segura e eficiente de operar a aeronave.


  • Crie modelos mentais: tenha um plano bem definido e mentalmente ensaiado para eventos não-normais que possam ser encontrados, utilizando as práticas descritas acima. Adote um mindset de “o que eu faria se isso acontecesse?”. Estes modelos se tornam padrões-mentais, que serão acessados mais facilmente quando uma situação anormal surgir – reduzindo substancialmente a chance de ter um desempenho abaixo do esperado devido ao startle e/ou expectation bias.


Bons voos!

 

Sobre o autor:


Pedro Gomes é Copiloto e Investigador da GOL Linhas Aéreas. Bacharel em Aviação Civil, MBA em Gestão de Aviação Civil e pós-graduando em Operações de Ensaio em Voo.


Texto originalmente publicado no ASAGOL Safety News 13. Para ler a edição completa clique aqui.

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