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Meu filho odeia minha mala!


Edição nº 20

Mauro Mathias

Diretor de Comissários da ASAGOL


Ser aeronauta e ser pai ou mãe não é uma tarefa fácil. Muitos são os nossos sentimentos de culpa por deixarmos em casa aqueles a quem amamos e de quem gostaríamos de estar pertinho o tempo todo, afinal, precisamos trabalhar e escolhemos uma profissão que é muito diferente da maioria das profissões. Temos nossos problemas específicos e é um pouco difícil aos humanos “normais” (como costumamos chamar as pessoas que têm um trabalho onde é permitido voltar para casa todos os dias) compreender nossos dilemas.

Um desses dilemas está relacionado aos filhos. Agora não estamos mais tratando de bebês, mas com crianças. Para facilitar nosso entendimento e diferenciar bebês de crianças vamos pensar que bebês são os nossos colos do avião e os demais são os menores.


Nossos filhos, agora com dois anos ou mais, já entendem que frequentemente o pai ou a mãe some de casa e demora para voltar. Será que existe um lugar escondido onde eles vão? Será que meu pai, minha mãe ou meus pais vão voltar? Será que eles não gostam mais de mim e me deixaram para sempre? São questionamentos inconscientes que as crianças se fazem.


Chorar é uma das poucas alternativas que resta à criança; outra é o embotamento (uma espécie de conformismo exagerado) onde ela pouco se importa quando os pais saem ou quando eles voltam. Mas esses são casos difíceis em nosso meio, ao menos não tenho registro de colegas com esse problema. O mais comum é pensar que sempre que os pais saem com a mala eles são “ sequestrados”. Quando a criança os vê preparando-a significa que eles vão sumir de novo. Logo, ela reage como sabe: chora, se joga no chão, passa mal, enfim, faz tudo que sabe ou pode para evitar uma separação.


Os pais são as figuras representativas mais importantes que a criança tem em sua vida interna. Ninguém serve para consolar senão um dos dois ou os dois. No início era a mãe, um bebê e o seio a alimentar; depois entrou uma outra figura para completar os cuidados, como um pai, outra mãe, uma babá, uma tia, os avós, uma professora, ou seja, uma figura de cuidado e afeto. É importantíssimo que essa figura seja apresentada pela mãe.


Metaforicamente, podemos dizer que antes existiam dois seios que alimentavam, um que era uma delícia e vinha logo que a criança desejava e outro que a fazia esperar e não vinha quando demandava. Logo, esse seio não era bom.


O trabalho, representado pela mala, é esse seio que frustra, não vem quando a criança quer, não lhe dá alimento objetivo ou subjetivo e a faz esperar. Antes, quando ela não sabia falar, protestava mordendo ou chorando. Agora que cresceu, fala, chora, senta dentro da mala, esconde a mala, passa mal. Faz o que pode e o que não pode para que essa figura metafórica desapareça e não sequestre os seus pais.


E não pense em sair escondido, essa é a pior alternativa possível, imagine que a criança já pensa que o pai ou a mãe foi sequestrado. Acordar e perceber que realmente a mala levou o pai ou a mãe embora enquanto ela dormia é terrível; a criança não pode mais dormir. Fazer discursos sobre as funções do trabalho, e como ele propicia ganhar dinheiro para comprar coisas também não é aconselhado – funciona para recrutadores, mas para as crianças isso pouco ajuda ou melhora a situação.


Primeiro, o tempo não existe para a criança; eles não sabem antes de quatro anos o que foi ontem, o que é hoje ou o que é amanhã. Se você quer explicar usando o tempo, marque eventos como você vai dormir, acordar, brincar o dia inteiro, depois vai dormir de novo, brincar e depois o papai ou a mamãe chegam. Dessa maneira lúdica as crianças maiores começam a perceber o tempo. Segundo, o alimento da criança é o afeto, a presença e a atenção. Se ela tem a mãe ou o pai por perto o alimento está garantido ou, na linguagem psicológica, o seio bom está ali.


Uma das maneiras de trabalharmos esse conflito interno entre o bom e o mau é atuar de forma lúdica. É pela brincadeira, pela contação de histórias que as crianças ajustam suas dúvidas e medos. Ao contar historinhas para seu filho, faça isso à noite, em um momento tranquilo, no quarto dele e não no seu. Não mostre livros, desenhos, tablets, celulares, deixe que seu filho construa o local da história de acordo com as experiências dele. Uma casa na história vai ser associada à casa dele, um personagem precisa ter um rosto, uma voz, um jeito e ele vai associar com as pessoas que já conhece. Não conte histórias de terror ou de finais tristes, o trabalho é de reforço e apoio, de priorizar o seio bom – não queremos instalar quadros de perseguição, desaparecimento e abandono. As historinhas são de finais felizes; as tristes virão depois, em outras fases da vida.


Também é muito interessante brincar. Brincar de esconde-esconde. Já repararam que as crianças se escondem em lugares fáceis, que tossem, espirram, derrubam coisas, escondem só o rosto ou respondem quando são chamadas pelo nome? Pois bem, elas querem ser encontradas e também encontrar o adulto. Quando a criança se esconder, não demore mais que um minuto para a encontrar. Chegue perto de onde ela está e troque de lugar com ela. Como? Diga: como eu faço se meu filho ou minha filha não aparecer, eu não posso ficar sem ela (ele), já estou com saudade de você. Ao encontrar abrace e diga: nossa, senti falta de você, ainda bem que te achei logo. Se é sua vez de se esconder, aja da mesma maneira. Permita que a criança te encontre rapidamente. O trabalho aqui é reduzir o medo, a angústia, e aumentar a sensação de segurança e amparo. Só isso!


Outra maneira de brincar, se seu filho ou filha já vai à escola, é no dia anterior, antes de dormir, arrumarem juntos os seus materiais. Os dele, que vai para a escola, têm uniforme e mochila, assim como os seus. Só que você tem mala no lugar de mochila; a mala que sequestra os pais. Preparem os uniformes e podem deixar no sofá da sala, lado a lado. Se você faz lanchinho para o seu filho levar à escola, façam juntos um para você levar também.


Lembrem-se que os pais são sequestrados e desaparecem por vários dias. Se você tem alguém que possa ir te buscar no aeroporto com seu filho ou sua filha, é muito interessante que faça isso. A criança vai ter a oportunidade de conhecer onde os pais foram durante o “sequestro”, e ver que outras pessoas têm roupa e mala igual ajuda a minimizar o sofrimento da separação. Não é uma boa pedida a criança te levar logo de início para o aeroporto quando você for voar; o melhor é ir te buscar algumas vezes para depois ir te levar.


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