Por Mauro Matias
Diretor de Comissários da ASAGOL
Se existe um estado de maior modificação na vida de uma mulher que o período gestacional, eu desconheço. Marcado por um período de ebulição hormonal, de afetos e sentimentos inexplicáveis, a grávida se vê cercada e protegida por todos os lados, não só em casa, mas na rua, na sociedade e onde ela estiver.
Tudo pronto para o grande dia, você está fora do voo desde que se descobriu grávida, arrumou o quarto do bebê, preparou a festa toda. Sim, hoje em dia o hospital se transformou em um local de grande festa e muitos convidados. A atenção agora é para o bebê que, convenhamos, não tem nada para comemorar. Sair de um lugar onde nada falta para um lugar onde falta tudo não é para comemorar.
Parte das mulheres sentirão falta desse cuidado que lhes era dispensado por todos os lugares onde passasse, o filho que antes era só seu e guardado escondido dentro de você agora está no centro das atenções. Hormônios que eram produzidos pelo corpo deixam de existir de um dia para o outro e a mãe experimenta um misto de todas essas faltas e o peso da responsabilidade. A vida agora mudou de forma definitiva.
Algumas mulheres experimentarão uma tristeza que não sabem explicar. Cansaço, irritação, medo de não conseguir, medo de não ser uma boa mãe, medo, medo, medo. Fica fácil procurar uma situação em que se encaixar e que possa explicar toda essa transformação, e a explicação mais comum é: estou com depressão pós-parto. Calma! Não é bem assim.
Uma depressão pós-parto é um transtorno depressivo que, segundo o Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V, pág. 186), começa bem antes do parto. O DSM informa que 50% dos episódios depressivos no “pós-parto” na verdade começam antes do parto. Sintomas de forte ansiedade, ataques de pânico, alterações de afeto, de cognição, sentimentos de desistência de tudo são pontos que devem levar a mãe a buscar ajuda profissional imediatamente.
Mas falamos acima que é comum um certo grau de tristeza diante da perda de atenção, cuidado e do sentimento de que “eu não sei fazer isso, será que serei boa mãe?” – a esse conjunto de sentimentos chamamos de “Baby Blues”. O Baby blues é, portanto, uma condição física e a Depressão Pós-Parto (DPP) é uma condição psicológica. Os sintomas mais comuns do Baby Blues são: choro constante ou sem motivo aparente, impaciência, irritabilidade, preocupações como sentimento de que ser mãe não era bem do jeito que você imaginava, fadiga, insônia, dependência. Lembre-se, esse é um quadro transitório, de certa forma esperado e que de 50 a 85% das mães passarão por esse estágio nos primeiros dias após o parto.
O Baby Blues também pode acometer o pai. Uma pesquisa da Universidade McGill, no Canadá, evolvendo 622 pais voluntários, demonstrou que 13,3% dos pais apresentaram níveis elevados de sintomas depressivos durante a gestação da parceira. Não tem nada de fraco nesses sentimentos, apenas precisamos saber que eles podem acontecer e se preciso procurar ajuda.
Nós, Aeronautas, temos um estilo de vida imposto muito diferente das outras pessoas. Elas podem voltar para casa a qualquer momento, nós não. Compreender que existem facilitadores e complicadores decorrentes da nossa vida profissional pode fazer toda a diferença entre sofrer sozinha (o) ou buscar ajuda. Vejamos os complicadores e os facilitadores:
Estudos sugerem que há semelhança entre os fatores de risco para a DPP na maioria dos países e culturas. Os principais são episódios depressivos prévios, antes ou durante a gestação; histórico familiar de transtornos; conflitos familiares; exposição a eventos estressores graves; pouco suporte social e financeiro; gravidez na adolescência; gravidez indesejada; complicações no parto gerando grandes dificuldades de lidar com o bebê por comportamento ou doenças.
Os facilitadores ou fatores de proteção incluem o suporte social adequado (família, cônjuge, serviços de apoio), auxilio na preparação física e psicológica para as mudanças que virão com a maternidade (Fonseca, Silva, Otta, 2010) e, mais modernamente, para quem não tem a família por perto, uma Doula.
O relato abaixo, de uma mãe de primeira viagem, se é que elas existem, pode se encaixar na história de muitas mães aeronautas.
Bom dia, queria compartilhar com vocês minha história e, quem sabe, ajudar as colegas que possam estar passando pelo mesmo que eu. Saí do voo logo no primeiro mês de gravidez, logo que deu positivo meu teste já parei de voar. Planejamos nossa gravidez e aguardamos ansiosos pelo dia do nascimento. Tudo estava perfeito até o dia que minha filha nasceu. A primeira pressão começou com a amamentação, ela não pegava o peito de jeito nenhum e os olhares dos visitantes era de que eu não sabia fazer e nem achar uma posição que facilitasse. Como não sabia? Toda mulher deve saber né? Até as enfermeiras me olhavam com cara de julgamento. Depois acho que encontramos um jeito, mas as minhas energias eram sugadas junto com o leite e minha filha queria mamar o tempo todo pois tinha fome, eu não conseguia fazer direito. Ah como eu queria fazer um voo de 5 dias e largar tudo e todo mundo, eu não estava conseguindo ser uma boa mãe. Fiquei assim por uns bons 35 dias, tudo bagunçado na minha casa, sem dormir direito, sem comer feito gente e cansada, não conseguia fazer mais nada e de saco cheio de visitas. Depois resolvi contar para o meu marido o que estava acontecendo. Ele me ajudou muito e não me julgou ou me recriminou e me deu apoio, falou que nós três estávamos assustados com tantas novidades e que teríamos que aprender juntos e achar nosso jeito de fazer as coisas. Embora eu estivesse triste e me sentindo incompetente, sabia que minha filha era o que eu mais queria e que seríamos felizes. Lutei contra esse sentimento de bagunça, incompetência e confusão que brotou sei lá de onde e também não sei o por quê. Superei e sei que ser mãe é o melhor sentimento do mundo, mas a gente precisa saber quando é hora de dividir com outros e procurar alguém em quem se confie e que se possa desabafar. Contar com apoio é muito importante e ajuda a gente a sair mais rápido dessa situação. (Comissária de voo, 28 anos, mãe de primeira viagem)
Nosso objetivo ao escrever esse artigo é o de levar informações a você, que é aeronauta e mãe. Pense que será sempre de primeira viagem pois cada gravidez é única e diferente uma da outra. Talvez possamos pensar que uma é mais fantasiada que a outra, e como dizemos no voo, cada etapa é uma etapa, logo única.
Procuramos desmistificar o senso comum de que só haverá alegria no pós-parto. Haverá cansaço, sentimento de não saber o que fazer e como fazer. O Baby Blues aparecerá não só para a mãe, mas para o pai também; mas nem tudo é doença, são cursos naturais e normais da vida. O importante é você saber que pode contar com ajuda se precisar e onde encontrar a ajuda. Você não está sozinha.
Na ASAGOL você pode contar com apoio. Através do nosso serviço social podemos te ajudar seja com um aconselhamento, um direcionamento para um profissional habilitado ou simplesmente ouvir e compartilhar experiências, que é uma maneira de aprender juntos. Estar disponível para acolher você é uma das maneiras que encontramos não só para ajudar efetivamente, mas também para contribuir para a segurança e bem-estar de quem tripula nossos voos.
Referências:
DSM 5. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM 5 [American Psychiatric Association; tradução Maria Inês Correa Nascimento... et al.] revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli...[et al]. 5ª Ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
CAMPOS. C.C., RODRIGUES, O.M.P.R. Depressão pós-parto materna, práticas de cuidado e estimulação de bebês no primeiro ano de vida. Psico, Porto Alegre, v.46, nº4, pp 483-492, out. dez. 2015.
FONSECA, V.R.J.M., SILVA, G.A. & OTTA. E. Relação entre depressão pós-parto e disponibilidade emocional materna. Cadernos de saúde pública, 26 (4) pp.738-746. Disponível em http://dx.doi.org. acesso em 05/01/2019.
Precisa conversar sobre algo que está te incomodando? Ligue pra gente ou mande um email para a Fernanda, nossa assistente social. O endereço é servicosocial@asagol.com.br.
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