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Diferenças Culturais na Cabine de Voo são Bem-Vindas


Pilotos na cabine de pilotagem de um avião de linha aérea.

O espaço dividido por uma tripulação em uma cabine de voo não é apenas um lugar de trabalho, é também um local onde pessoas convivem. Neste espaço, as pessoas imprimem suas marcas, seja sua forma especial de organizar seus papeis, ajustar o assento da cadeira, interagir com o outro, expressar de forma particular a sua compreensão da atividade e, ao mesmo tempo, combinar suas especificidades com a padronização da tarefa.


É importante reconhecer que, quando temos pessoas interagindo em um espaço, temos um contexto social, e, se esta interação também implica em uma atividade técnica, temos um sistema que necessita ter uma lógica que atenda aos dois aspectos, seja interdependente e considere que as relações se dão dentro de um sistema sociotécnico (GONZÁLES E SAURIN,2013).


No caso do sistema de aviação, um sistema sociotécnico complexo, onde há interconectividade e interdependência entre as suas diversas partes, podem ocorrer interações não familiares e inesperadas (PERROW, 1999).

O sistema de aviação ao longo dos anos tem baseado seus preceitos de segurança em processos detalhadamente prescritivos para o desempenho das tarefas, porém são as pessoas que atuam nos espaços de trabalho que fazem a diferença, quando é preciso atingir as metas e chegar ao objetivo, criando equilíbrio entre a aplicação das regras (prescrições) e as possibilidades de agir em situações reais (ações). Elas são protagonistas de suas atividades e precisam combinar suas experiências, conhecimentos e percepções na cabine de voo com outras pessoas, por um tempo que, muitas vezes, é restrito e, normalmente, corresponde a uma jornada de trabalho.


O trabalho na aviação exige, portanto, uma interação de equipe e, mesmo que trabalhar em equipe seja muito produtivo, não é uma tarefa fácil. Durante os treinamentos de gerenciamento de recursos da equipe (Corporate Resource Management -CRM), estas relações e suas implicações na segurança são largamente abordadas, o que contribui para facilitar esta interação.


Podemos incluir neste contexto a gestão de diferentes culturas e diferentes relações sociais, denominadas como uma diversidade sociocultural, que vão exigir do tripulante adaptações, que devem ocorrer em um curto espaço de tempo e de forma segura.

A diversidade sociocultural para a aviação, de acordo com EUROCONTROL (2022), diz respeito a “aspectos da cultura que podem influenciar as interações de um indivíduo com outros da mesma ou de origens diferentes”, podendo, portanto, influenciar na forma como os indivíduos respondem às demandas da gestão, requisitos operacionais e políticas da empresa.


A diversidade por si só é simplesmente outro ponto de vista. Pode ser percebida nas diferentes formas de se pensar o trabalho e as organizações, assim como nas situações relacionadas a ele, enraizadas em questões sociais (TORRES e PÉREZ-NEBRA, 2004).


Vivemos em um país diverso, com uma sociedade heterogênea e que contempla diferentes compreensões da realidade, que se reproduzem nas organizações e se refletem nas rotinas de trabalho e devemos estar atentos para conviver e capturar a diversidade de forma positiva.


Nas grandes empresas aéreas, uma tripulação se reúne de forma temporária, e dificilmente ocorrerá a mesma combinação novamente em um curto espaço de tempo, portanto, é importante que essa diversidade seja percebida e gerenciada, pois a atividade que precisam realizar exige uma grande interação.

Reconhecer que existem experiências diferentes, que não estão relacionadas somente às características das pessoas como idade, identidade de gênero, etnia, mas também crença religiosa, caminhos para seus empregos, qualidade do treinamento, experiência, qualificação, emprego anterior etc. Tudo formando um conjunto diverso a ser gerenciado.


A organização também tem um sistema sociocultural que deve ser compreendido e é um aspecto comum entre os trabalhadores, portanto cabe a ela garantir a boa interação entre as equipes, se preocupando em fornecer a conscientização e facilitar as políticas e procedimentos para que se trabalhe bem em conjunto.


A cultura organizacional pode ser um fator agregador que contribui para unir e criar coesão e desta forma dar identidade ao grupo, e este aspecto não pode ser negligenciado pela organização. Um valor organizacional tem um impacto direto na cultura e tem consequências na segurança e no bem-estar dos trabalhadores, portanto, na cultura de segurança da empresa.


Quando falamos de cultura é importante lembrar que ela é um fenômeno social, onde se compartilha suposições básicas, que funcionam bem o suficiente para serem consideradas válidas e transmitidas aos novos membros como a maneira correta de pensar e sentir em um determinado contexto, tende, portanto, a uma padronização e integração (SHEIN, 1996).


Estamos expostos a diferentes instâncias de manifestações da cultura que vão da sociedade, passando pelas organizações, grupos e finalmente chegando ao indivíduo, numa relação dinâmica que nos traz a visão que temos do mundo, que é múltipla e diversa para cada um e se traduz nos nossos comportamentos e relação com os outros.


Tradicionalmente na aviação abordamos diferentes tipos de cultura:


Cultura nacional: mais abrangente, é uma função dos valores e comportamentos que são definidos em um determinado país ou região;

Cultura da indústria: são as práticas aceitas em uma determinada indústria ou área de atividade;

Cultura organizacional : predominantemente relacionada a uma empresa ou organização;

Cultura profissional/ocupacional: ocorre dentro de um determinado grupo funcional e pode ser influenciado pela indústria ou pela organização;

Cultura de segurança: é a forma como a segurança é percebida, valorizada e priorizada dentro de uma organização.

DEKKER (2019) considera que estas fragmentações/classificações são resultado da forma como a cultura é tratada nas organizações, numa abordagem funcional, como se fosse possível desmontar, redesenhar e reconfigurar, trabalhando em partes, assumindo que os valores dirigem as atitudes e crenças determinando o comportamento das pessoas, numa análise reducionista.


Independente da forma como compreendemos, classificamos, avaliamos e estudamos as questões socioculturais, elas afetam as interações na cabine de voo, portanto temos que ter um olhar atento para estas questões que são uma possibilidade de ganho para a segurança, uma vez que a percepção e a compreensão de diferentes olhares para um mesmo evento agregam informações e facilitam as relações da equipe de trabalho e enriquecem os processos de decisão.


Dado que não existe condição de trabalho perfeita, compreender como o outro percebe a situação de trabalho não é uma questão somente de empatia, é uma questão de segurança, onde se busca identificar as capacidades positivas das pessoas para lidar com as circunstâncias cotidianas de modo que elas continuem funcionando de forma segura.

Na prática, quando compreendemos que as pessoas, assim como nós, valorizam seu trabalho e procuram mostrar o melhor de suas habilidades, ficará mais fácil identificar as situações em uma ação diferente, não é necessariamente errada ou insegura, ela pode representar outra percepção da situação, que nos oferece uma oportunidade de ouvir, compreender e aprender, ampliando o nosso conhecimento, proporcionando uma compreensão de como as coisas realmente acontecem e como podem ser resolvidas, trazendo maior resiliência ao sistema e um reconhecimento do valor do outro.

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